LEMBRANÇAS NO ESPORTE

07/03/2024 às 11h28

Texto escrito por Vanderley de Brito, historiador e presidente do Instituto Histórico de Campina Grande

No início dos anos de 1950, o voleibol era um esporte praticamente desconhecido em Campina Grande e quem introduziu a prática do esporte na cidade foram os alunos de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Paraíba, cuja maioria vinha de outros estados brasileiros, sobretudo do Ceará. Mas eram jogos isolados entre eles, a título de diversão e lazer.

A partir de meados da década de 1960, os esportistas e professores de educação física das escolas resolveram criar em Campina Grande uma comissão que passaria a organizar eventos esportivos das instituições de ensino na cidade. Essa comissão criou em 1965 um torneio entre os colégios: os “Jogos ginásio-colegial de Campina Grande” ou “Olimpíadas Escolares”, como eram chamadas pelos alunos e torcedores, para incentivar modalidades esportivas, como o futebol de salão, basquete, handebol, vôlei, natação, pingue-pongue, entre outros, e provocar o surgimento de novos talentos. 

O movimento assanhou a cidade. Cada colégio preparava suas equipes para as competições escolares: Alfredo Dantas, Pio XI, Estadual da Prata, 11 de Outubro, Anita Cabral. E foi Madre Marie Etienne, do Colégio das Damas, quem chamou o estudante de engenharia da Politécnica, Ednaldo, mais conhecido como “Carcará”, para treinar a equipe feminina de vôlei do Colégio, um educandário apenas de meninas, naquela época.

Quando o treinador Carcará estava formando a equipe das estudantes, de longe, bateu o olho numa menina de treze anos que estava treinando no time infantil da escola e, sem pestanejar, convocou-a para o time principal devido à sua estatura mais elevada que a das demais: a menina era Helga.

Helga é de naturalidade austríaca, uma viking de 1,75m de altura e 65 quilos, filha do casal Wilhelm Gustav Steinmüller e Margareth Straznicky Steinmüller. A família chegou em Campina Grande em 14 de maio de 1954, no intuito de começar um negócio de conservas e frios na cidade, data em que Helga completava dois anos de idade.

Ednaldo Carcará era um treinador muito exigente e rígido, queria que o time se destacasse dentre os outros. As meninas treinavam de duas a três vezes por semana, logo cedo, às seis da manhã, antes das aulas, no pátio do Colégio; e também, o treinador levava a equipe para treinos nas quadras da AABB e do Clube do Trabalhador, que eram as únicas quadras cobertas na cidade naquele tempo. A mocinha Helga logo se destacou entre as demais, não só por sua altura, mas também por sua canhota, muito forte e direcionada nas cortadas, e pelo espírito de liderança e motivação, atributos que fizeram Ednaldo colocá-la como a capitã da equipe.

Todo esse esforço surtiu efeitos positivos nos torneios das competições escolares, pois a equipe de vôlei feminino do Colégio das Damas era imbatível. Os ginásios ficavam pequenos para tanta emoção e esse período foi uma época áurea para essa modalidade esportiva na cidade, com jogadoras como Solange, Sílvia, Carmem Catão, Jerusa, Luíza, Salete, Cláudia Vaz, Raquel, Nadja, Francimere, a levantadora Lindinaura e, sobretudo, Helga, que se tornou um fenômeno do voleibol estudantil.

Os torneios escolares se estenderam por toda a segunda metade da década de 1960, sendo uma fase sem precedentes na história do esporte estudantil de Campina Grande. Os ginásios da AABB e do Clube do Trabalhador ficavam lotados, era uma barulheira ensurdecedora quando a bola era levantada para Helga, que saltava acima de dois metros de altura para desfechar seu golpe fulminante de canhota na quadra opositora, sem qualquer chance de defesa. A torcida inteira ia ao delírio.

Ela jogou até os 18 anos, e não era apenas a qualidade técnica de Helga que enlouquecia o público. Naquela época, as meninas jogavam vôlei com saias plissadas na altura da coxa, que a cada movimento revelava seus dotes sensuais; assim, os rapazes deixavam de assistir aos torneios de futebol de salão para acompanhar as partidas de vôlei, sobretudo, as de que Helga participava para ver os formosos e atraentes atributos físicos da galega: rostinho bonito, alta, bem composta, cabelos castanhos claros, olhos verdes e umas pernas grossas de fechar o trânsito. O público nos ginásios era predominantemente masculino e Helga, além de admirável cortadora, era uma musa em quadra.

A segunda metade dos anos 1960 foi um período de grande efervescência para o esporte amador em Campina Grande. Os ginásios eram pequenos demais para tanta euforia, com as charangas e apitos ecoando freneticamente a cada desfecho das partidas e nos intervalos, para não deixar esfriar a energia jovial que lotava as arquibancadas e alambrados dos ginásios. Nos pátios das escolas, cinemas e praças só se falava nos torneios, nas disputas e rivalidades entre os grandes times, as revelações e os anseios para as próximas partidas. Sem dúvidas, o movimento das Olimpíadas Escolares inaugurou esse movimento frenético na cidade, embalado pela força energética adolescente, pois quem não se envolvia como atleta participava como torcedor.

Foi uma revolução tão contagiante que até provocou outros desdobramentos esportivos, como os rachas do Clube Campestre, envolvendo médicos como Dr. Paulo Gayoso, Dr. Agripino, Dr. José Moisés, Dr. José Arnóbio, Dr. João Ribeiro e Dr. Everaldo Lopes, entre outros. As competições de veraneio nas praias Formosa e Ponta de Mato e as Olimpíadas Operárias, criadas pelo SESI, envolvendo grandes indústrias da cidade, como a Cande, São Braz, Wallig, Arbame, Bentonit, Muller e Besa. Também foi uma época de revelações de talentos como a jogadora Marize, destaque no handebol, Lúcia Medeiros no tênis de mesa, Maurício Cabral e Hamilton França na natação. Nomes incontáveis nas modalidades de futebol de salão, como Gilson e Geraldo Leal, e no basquetebol um grande destaque foi Eduardo Schaffer. Esses e outros atletas que brilharam nos bons tempos do esporte amador campinense, hoje se destacam em outras profissões e atividades, a propósito, até nossa ex-prefeita Cozete Barbosa foi uma estrela do handebol estudantil, em Campina.

Helga atravessou toda essa fase em pleno vapor, foi uma musa e um símbolo desse momento extraordinário dos jogos estudantis e outras competições, tanto por seu talento esportivo inigualável quanto pela sua beleza, pois venceu também vários campeonatos de miss na cidade.

Porém, no início dos anos 1970, aprovada no vestibular, Helga foi estudar medicina em João Pessoa e, assim, Campina perdeu sua estrela do vôlei. Na capital paraibana, famosa pelos jogos estudantis de Campina Grande, ela foi chamada pelo Presidente da Federação Paraibana de Voleibol, Potengi Lucena, para jogar na seleção paraibana, onde também fez grande sucesso, com jogos em outros estados e partidas antológicas no ginásio do Clube Astreia, vencendo todas as dificuldades de conciliar os estudos universitários com as participações dos treinos e jogos. Seu talento e garra ecoaram tanto no esporte que ela ainda foi convocada para jogar na seleção brasileira de voleibol, mas, já casada com Ricardo Wanderley e mãe de filhos pequenos, não lhe convinha participar da seleção e teve de escolher entre o vôlei, a família e sua carreira na medicina, optando por ser esposa, mãe e médica.

Destacando-se também na medicina, desde 1987 a grande musa do vôlei estudantil de Campina Grande reside na Alemanha, onde foi fazer um curso de especialização em ginecologia e acabou se fixando como médica ginecologista e obstetra num hospital na cidade de Kiel.

Atualmente aposentada, Helga vive na cidade alemã de Hamburgo, onde se especializou em psicoterapia cognitivo-comportamental e lida clinicamente com perdas, luto e bem-estar, mas até hoje ela nunca deixou de praticar esportes e nem perdeu seu amor por Campina. Dedica-se diariamente ao ciclismo nas pistas, trilhas e alpes e quase todo ano vem a Campina Grande matar saudades de sua terra adotiva e rever parentes e amigos.

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